A metalinguagem é um dos meus recursos favoritos no cinema. Filmes que falam sobre filmes podem até não serem tão celebrados, porém quando feitos com maestria, são capazes de prender até os mais céticos na tela. É este o caso de Segredos de um Escândalo (May December, no original), estrelado por Julianne Moore e Natalie Portman com direção de Todd Haynes (Carol).
O longa, que acaba de chegar aos cinemas, conta a história de Gracie (Moore), dona de casa que causou um rebuliço na década de 90 pelo seu envolvimento com Joe (Charles Melton), à época com 13 anos. Mesmo tendo sido presa pelo abuso e estupro, Gracie e Joe se casaram e tiveram 3 filhos. 24 anos depois, ainda juntos, a atriz Elizabeth Berry (Natalie Portman) chega à vida do casal para estudar Gracie e futuramente interpretá-la um longa que contará a história do escândalo.
Mais do que um filme sobre a arte de produzir filmes ou sobre atores de método, Segredos de um Escândalo consegue materializar um universo próprio, graças à intensidade das atuações do trio principal, que possui enormes nuances de personalidade e caráter ambíguo. Um prisma de emoções, aqui se vê ora mágoa, ora remorso, ou mesmo perdão e autoindulgência.
É importante entender que o filme não tem como foco o polêmico caso em si, mas o peso que ele carrega e as consequências desse fato na memória e na consciência dos ali presentes. É como se as reticências fossem expandidas em macro e analisadas em cada ponto. Elizabeth não está como mera expectadora ou alguém que anota os maneirismos ou que há de curioso em Gracie, mas sim um indivíduo com papel ativo dentro da trama. Em certos momentos, ambas parecem quase que uma só, dada a química em tela de Moore e Portman.
A incompreensível não indicação ao Oscar de ambas mostra como certas premiações podem sim esnobar talentos. As atrizes devoram o enredo, magnetizando em tela a enorme complexidade de suas personagens, em uma cooperação quase que metafórica, já que em certa cena ambas maquiam-se, quase se tornando iguais.
Já o personagem Joe é um ponto de inflexão e incógnita no enredo, no melhor dos sentidos. Charles Melton encarna um jovem adulto perdido e sem auto reflexão sobre os acontecimentos sobre si. É repleta de significado uma certa cena em que pai e filho (que mais se assemelham a irmãos) conversam sobre as expectativas de vida e futuro.
Rico em simbolismos, Segredos de um Escândalo é uma daquelas obras-primas repletas de detalhes e abre margem a amplas interpretações, como metamorfoses de borboletas-monarca, ou cenas diante de um espelho. A fotografia suavizada de Christopher Blauvelt propicia um clima etéreo, quase que um sonho desconfortável sobre uma cidadezinha estranha. É certo que a direção, com takes planos ou mesmo um zoom, sob uma trilha sonora bem definida, tornam o clima até mesmo mais humorado ou sob um tom melodramático, quase que novelesco à la Manoel Carlos.
Todd Haynes alcançou a proeza de dirigir um trabalho complexo, intrinsecamente ligada à psique humana, em uma história onde não há exatamente nem bons nem maus, mas sim pessoas que são sufocadas com os acontecimentos de suas vidas.
Em tempo: O título May December refere-se a um relacionamento entre pessoas de diferentes idades. Os meses referem-se às estações do ano no hemisfério norte: maio é a primavera, portanto a juventude, e dezembro o inverno, o envelhecer.
★ ★ ★ ★ ★ (excelente)